A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estuda permitir que farmácias possam realizar exames laboratoriais. Especialistas avaliam que medida deve ser avaliada com cuidado, de modo a garantir a segurança dos pacientes. Redes de laboratórios defendem liberação apenas de exames de baixa complexidade, conforme revelou O Globo.
Por meio da consulta pública 912/20, a Anvisa abriu discussão sobre o tema e propõe a atualização de uma Resolução da Diretoria Colegiada de 2005 (RDC 302/05) que regula o funcionamento de laboratórios clínicos e não contempla outros tipos de estabelecimentos para a realização de análises clínicas. A novidade foi a inclusão das farmácias no processo.
“Fazer testes rápidos pode ser um avanço, ampliar o acesso. Mas testes de interpretação complexa devem ser bem pensados e regulamentados, para proteção dos pacientes”, afirmou ao jornal o sanitarista, professor da USP e ex-diretor da Anvisa Gonzalo Vecina Neto. “Seria um desastre caso abrisse caminho para se colocar um consultório dentro da farmácia. É assim nos Estados Unidos, que é um não modelo. Lugar que vende medicamento não pode prescrever medicamento”, assinalou.
O Conselho Federal de Farmácia (CFF) não se mostra favorável à medida. Para a instituição, os laboratórios clínicos se destacam pelos investimentos em inovações, avanços tecnológicos, adequações sanitárias e capacitações de excelência, tendo como preocupação a segurança do paciente.
“Partidário da vigorosa defesa de todos os campos de atuação profissional farmacêutica, o CFF está se baseando, em seu posicionamento, nos quesitos estritamente técnicos, com ênfase na segurança do paciente, nos impactos à atividade econômica e no interesse público”, afirmou em comunicado o presidente do CFF, Walter da Silva Jorge João.
De acordo com o CFF, na consulta aberta pela Anvisa, os exames laboratoriais foram diminuídos à nomenclatura de testes. “Houve negligência ao responsável técnico legalmente habilitado e foram totalmente desconsiderados os laboratórios clínicos, possibilitando que outros estabelecimentos e profissionais não legalmente habilitados executem tais procedimentos”, diz a entidade em nota. “Todos esses quesitos interferem nos resultados, terminando por fragilizar a confiabilidade dos exames laboratoriais, elemento basilar para diagnósticos que garantam tratamentos eficazes aos pacientes”, completa o texto.
Já o presidente da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Sérgio Mena Barreto, vê que a medida poderia ampliar o acesso da população aos exames. “A maioria dos brasileiros não faz check-up. Essa é uma novidade que pode ampliar o acesso e mudar a cara da saúde brasileira. Imagine poder chegar em um lugar e com duas gotinhas de sangue medir glicemia, hemoglobina glicada, colesterol, PSA, HIV, sífilis”, argumentou ao Globo.
Atualmente, a legislação permite que as farmácias realizem apenas exames rápidos de glicemia, além dos testes rápidos de Covid-19, procedimento adotado após a escassez desses exames no início da pandemia. Uma ampliação poderia permitir que farmácias realizassem outros tipos de análises clínicas, da coleta ao resultado, com pessoal especializado, cuja fiscalização caberia aos conselhos de profissão.
Na prática, normas locais já abriram brechas jurídicas para que farmácias realizem diferentes testes rápidos, apurou o Globo. Com base nelas, em Belo Horizonte, a rede Drogaria Araújo oferece testes rápidos de PSA, hepatites, sífilis, HIV, entre outros. E 95% das lojas possuem salas para a realização de exames e assessoria farmacêutica, afirmou ao jornal o gerente farmacêutico da Araújo Manipulação, Fabiano Queiroz.
Mena Barreto acredita que não há uma previsão de custos e adaptações necessárias caso a mudança seja aprovada, mas afirma que o setor vem se preparando há anos para isso. As redes representadas pela Abrafarma, que responde por quase metade do mercado, possuem 4.500 salas de serviços farmacêuticos que, segundo ele, poderiam ser adaptadas. Além disso, afirmou ao Globo, que a associação emitiu milhares de certificados a profissionais que estariam aptos a fazer as coletas e oferecer outros serviços locais no futuro, de nutrição a fisioterapia, curativos ou reeducação postural.
Para a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), o foco da preocupação está justamente na variedade de testes permitidos, regulados por aprovação nacional. “Há exames rápidos que funcionam bem, e outros que dão resultados equivocados. Essa é a lógica de ter a gerência de um laboratório, que conta com profissionais que estudaram para fazer calibração, validação, controle de qualidade. Não é o que está sendo proposto agora”, explicou ao Globo o presidente da entidade, Wilson Shcolnik.
Segundo ele, a Abramed não é contra a realização de testes rápidos por farmácias, desde que sejam restritos aos de baixa complexidade. “Existem questões de confiabilidade nos testes rápidos, vimos isso acontecer com a Covid-19. E resultados errados podem colocar em risco a segurança dos pacientes. Isso pode ter consequências imprevisíveis para a saúde das pessoas”.
A Anvisa afirma que está ouvindo todos os setores envolvidos e que receberá considerações sobre o tema até o dia 23 de outubro, prazo que poderá ser prorrogado, conforme apurou o jornal. Com o fim da consulta pública, pode ainda demorar alguns meses, a depender do número de sugestões enviadas, até que elas sejam analisadas e submetidas para deliberação e decisão da Diretoria Colegiada do órgão regulador.
FONTE; ICTQ
POR MARCELO DE VALÉCIO. POSTADO EM VAREJO FARMACÊUTICO -